O Galo fez Serenata

Estou devendo os outros dias do caminho, eu sei. Escrevo hoje porque foi um dia bem bacana e especial (relaxem que os detalhes dos outros dias estão por vir…)
Saí de Cirueña às 7:30 e fui boa parte do caminho até Santo Domingo de la Calzada acompanhado do casal de canadenses que estavam no mesmo albergue. Já sabia que hoje era um dia especial para a cidade porque hoje é o dia do Santo padroeiro e fundador da cidade. Pela sujeira que estava o centro da cidade (o que depois foi confirmado por Orietta) e uns jovens que já estavam, ou ainda estavam, bebendo na praça em frente à Catedral, deduzi que a festa havia começado ontem na verdade.
Cheguei por volta das 9 horas e foi engraçado porque tinha um galinheiro logo na entrada e ouvi um galo cantar e pensei “oba, boa sorte de qualquer forma, mesmo que o galo da Catedral não cante” (se cantar, reza a lenda que o peregrino terá um bom caminho), como tinha de esperar até as 10 horas para poder conhecer a catedral e, claro, ver o galo e a galinha que moram lá, decidi não esperar, meio a contra gosto, devo dizer. Fiquei rodando pela cidade, tirando muitas fotos, para variar, até que, ao sair do Monumento de los Peregrinos, virei à esquerda quando deveria ter ido para direita. Como não vi mais nenhuma indicação no caminho parei para perguntar a um senhor onde era o caminho, foi quando me disse que tinha de retornar e seguir pela estrada. Quando estava próximo ao Monumento de los Peregrinos meu relógio bipou indicando que eram 10 horas. Como tinha voltado um pedaço resolvi voltar logo tudo novamente até a Catedral, mas por sorte por uma outra rua. Sorte porque não só pude ver uma bandinha que vinha sendo seguida pelos tais jovens bêbados super animados (parecia carnaval na verdade) como peguei uma padaria aberta e, lógico que entrei. Além de ter comprado trufas, um doce folhado e outros dois que pareciam bombas de chocolate, resolvi experimentar umas Yemas del Santo, um docinho especialmente feito para as festividades de hoje, e devo dizer: que sorte que tive porque o negócio era uma delícia! 9,25€ o gasto total na padaria.
A caminho da Catedral vi várias senhoras super bem arrumadas e pensei que era coisa bem de cidade pequena, alta produção para uma ida à missa. Mas aí quando fui chegando mais perto vi o que parecia uma equipe de TV, mais gente bem vestida e umas meninas na porta com umas roupinhas que pensei serem típicas de Portugal, sei lá.
Como estava meio aglomerado na porta principal, me dirigi à porta lateral onde mais cedo tinha visto que era a entrada oficial, por assim dizer, para conhecer o lugar.
Assim que pisei na igreja o galo cantou. Fiquei encantada e, na mesma hora olhei para um senhor que estava próximo e que parecia fazer parte da organização do evento e perguntei “cantou, né?” e ele com um sorriso “si si” fiquei toda besta, não vou mentir. Nisso um outro me pede para tirar o chapéu e, enquanto este discute com uma senhora que estava próxima (ambos com a mesma roupa da organização) se eu poderia ou não conhecer o lugar, o senhor que me confirmou o canto do galo veio me perguntar de onde eu era, quando disse que do Brasil ele comentou que tem familiares em São Paulo e Santos, na mesma hora a senhora que estava conversando com o outro pega me pega pelo braço e disse alguma coisa do tipo “vamos rapidinho só para voê conhecer” e aí me explicou que aquela missa seria muito importante que até o bispo estaria presente. De fato puder ver que era uma super produção, cadeiras até naqueles cantinhos mais escondidos da igreja e televisores espalhados por todo lugar para que todo mundo pudesse acompanhar. Em cada cantinho da igreja que tinha alguma imagem a senhora parava e meio que tentava me explicar muito rapidamento o que cada coisa significava. Eu, com minha mania de foto, peguei a máquina e na mesma hora veio uma mulher, que também fazia parte da organização, toda grossa, devo acrescentar, e foi falando com a velhinha que estava comigo que eu não poderia tirar foto e nem era para estar ali, minha guia, muito simpaticamente, virou para ela e disse que estava me acompanhando e que faria a visita rapidinho. Depois disso, óbvio que não tive cara de pegar a máquina para mais nada, quer dizer, não pude resistir e pedi para tirar foto do lugar onde ficam as aves, na verdade só vi uma e que me pareceu uma galinha branquinha. Depois que comecei meu ” fast tour” o galo cantou mais umas 3 vezes, modéstia a parte, estou podendo!
Agradeci muitíssimo à simpàtica velhinha e segui meu caminho ao som dos sinos da Catedral, sério, foi uma coisa meio de louco, como toda a cidade praticamente estava no grande evento e acredito que os peregrinos resolveram ficar por lá também para a festança depois, eu andava sozinha pela cidade e os sinos não paravam… Só fui cruzar com peregrinos e uma bicigrina na ponte na saída da cidade.
Só fiquei chateada porque as lojas estavam fechadas e não pude comprar nem o pin nem o imã de geladeira para a minha coleção, o pior que não acharei em nenhum outro lugar esse do Santo com o galo e a galinha em cada lado. Portanto caro amigo peregrino que está por passar por Santo Domingo de la Calzada, faça essa caridade cristã e compre um pin e um imã desses que falei do santo com as aves (uns bem mimosos) que prometo, além da gratidão, reembolso e, claro, fiquem tranquilos porque não pesa na mochila.
Definitivamente La Rioja foi a melhor parte da viagem até então, pouco é verdade, mas muito bacana.
Antes de chegar em Grañón tive de parar várias vezes porque meus pés estavam doendo muito. Numa dessas parada conheci mais um italiano, de Verona dessa vez, mas, como foi muito rápido, nem cheguei a perguntar o nome dele, só deu tempo de comentar de Romeu e Julieta, claro. Pouco tempo depois de ter parado, parei novamente por conta dos pés, estava achando que a bota estava desconfortável e já estava cogitando a comprar um tênis, sei lá. Quando finalmente cheguei em Grañón, fui à farmácia e enquanto estava vendo alguma coisa para “amaciar” o calcanhar entre palmilha ou Compeed (sério, cogitei o Compeed) entrou um italiano, Adriano de Tourino, e pediu uma pomada para tendinite. Nessa hora me veio a luz de perguntar como saberia que tinha ou não tendinite já que nunca tinha tido. Quando expliquei onde sentia dor, a farmacêutica disse que era tendinite o que tinha e que as palmilhas não resolveria, teria de tomar remédio. Disse que tinha ibuprofeno e ela me garantiu que seria suficiente e que teria de tomar três vezes ao dia enquanto sentisse dor.
Saí de lá feliz por pelo menos saber o que tinha e o que poderia fazer para ficar melhor, mesmo estando com dor. Adriano, o italiano, me acompanhou até Redecilla del Camino onde tive de parar mais uma vez o centro de informação para descansar os pés novamente. Comi um pouco, aproveitei para tomar o remédio, comprei dois pins e fiquei fazendo hora até a chuva que começou a cair desse uma tregua. A atendente do centro me perguntou onde eu ia dormir e, quando disse que pretendia parar em Viloria de la Rioja ela me sugeriu que ligasse já que a cidade também estava em festa, achei que era uma coisa geral da região e ela me explicou que, apesar de ser patrono e fundador da cidade anterior, Santo Domingo nasceu em Viloria. Como não tinha telefone lá, ela me falou apra ir ao albergue da cidade. Qual não foi minha surpresa ao encontrar a brasileira Mari no albergue da cidade que reconheci pelo sotaque. Liguei para o albergue de Viloria, consegui reservar, conversei um pouco com Mari que está na Espanha há sete anos e bem surpresa por ver tantos peregrinos do Brasil. Ela até perguntou se eu morava aqui e quando disse que não quis saber como soube do caminho e blá blá blá. Resumi com Paulo Coelho e misticismo e pronto, infelizmente não podia conversar muito porque minha um longo caminho até chegar no albergue, 3,6 km a passos de tartaruga com a dor que ainda sentia no pé.
Do decorrer de minha longa, infinita e interminável caminhada (isso acontece todos os dias na verdade, o último km até o descanso parece milhares) começou a garoar por assim dizer, como a mochila estava com a capa continuei porque não tinha a menor condição de parar, se parasse sabe-se lá se ia continuar, fui quase que literalmente me arrastando até finalmente chegar no Albergue Acacio & Orietta. Ele é brasileiro, mas como não estava acabei falando com ela, que é italiana, pelo telefone e estava na porta me esperando quando cheguei às 16 horas. Ajudou-me com mochila e, quando disse de meu problema, me passou umas orientações e depois do banho me deu um gel gelado para colocar no calcanhar.
O albergue (5€) é pequeno e, devo dizer que são os melhores, esse em particular muito aconchegante, uma atmosfera meio zen, uma coisa meio rústica, enfim, amei!
Depois do banho fui dar uma olhadinha nas coisas a venda na entrada e vi que tinha um telefone. Finalmente consegui falar com minha mãe que, como imaginei, estava na casa de minha avó no Domingo Dia das Mães. Depois de falar com ela, aí sim fui fuçar a “lojinha”, percebi que tinha muitas coisas de Paulo Coelho, tinha um “deixe sua mensagem para Paulo Coelho”, e perguntei para Orietta se ela e Acacio o conheciam pessoalmente. Ela disse que sim e em seguida vi uma mensagem do próprio citando meus hospitaleiros e dizendo que dentre tantos albergues no caminho ele havia escolhido este de onde vos falo para apadrinhar.
Demonstração de mundo little: reencontro com o casal canadense. Durante o jantar (feijão com arroz d.e.l.i.c.i.o.s.o) descobri que o casal alemão, sim, só nós cinco aqui, também estavam no albergue de Ventosa. Além de nós cinco e dos hospitaleiros (Acacio chegou durante o jantar), contamos com a presença de Guilherme e Denise um casal de brasileiros que estam de voluntários pelos albergues da Espanha.
Vou dormir agora muito feliz pois, ao contrário de Pedro o hospitaleiro de ontem que nos fez madrugar, Orietta falou para não levar antes das 7:30, chato, né?
Esqueci de mencionar que tanto o jantar como internet e o café da manhã são na base do donativo. Acabei deixando 15€ porque achei injusto pagar menos do que paguei no de Cirueña que foi bom, mas não melhor que esse. Só não deixei mais porque estou ficando sem dinheiro em espécie.

6 Comentários

  1. André said,

    12/05/2010 às 17:32

    (antes de ler) caraca, q post longo… deveria ter índice, capítulos, epílogo e tudo o mais

  2. Fernando e Laura said,

    12/05/2010 às 17:40

    Beleza, ficamos felizes por vc estar bem, cuide do tendão e tome os remédios e pé na estrada peregrina..e o tempo como está ? muito frio??? Hoje decolamos de Fortaleza para Barcelona e domingo estaremos em SJPP.
    Força perergrina. Fernando e Laura

    • Carla said,

      13/05/2010 às 13:33

      Olá Fernando e Laura!
      Boa sorte no Caminho de vocês.
      Que o tempo melhore e ó, muita, mas muita atenção mesmo com joelhos (especialmente nos primeiros dias) e com os pés.
      Oh, dá uma lida no negrito do post, quem sabe vocês não me ajudam hehehe.

  3. Clara said,

    18/05/2010 às 7:28

    Pareceu, mesmo, um ótimo dia!! Quantos imãs de geladeira vc já tem? Tenha ótimas caminhadas!!
    Beijos!!

    • Carla said,

      19/05/2010 às 11:39

      Rapaz, nem sei quantos tenho, mas são muitos.
      Em Leon mude despachar umas coisas pelo correio, então agora é que não sei mesmo.
      Precisa ver o povo encantado com meu chapeu, cheios de pins hehehe
      Beijinhos


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